LISA FELDMAN BARRETT - THE NEW YORK TIMES
05 Setembro 2015 | 06h 00
Regiões do cérebro como as amídalas são evidentemente importantes para a emoção, mas não são necessárias nem são suficientes para ela
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Nossos sentidos aparentemente nos mostram o mundo como ele é, mas se enganam facilmente. Por exemplo, se você ouve uma sinfonia pelos alto-falantes estéreo colocados no lugar exatamente correto, a orquestra soará como se estivesse dentro de sua cabeça. Obviamente, não é isso que acontece.
Mas suponhamos que você confie totalmente nos seus sentidos. Poderá se fazer perguntas científicas bem intencionadas, porém disparatadas como: "Onde se localiza no cérebro a seção dos instrumentos de madeira?". Mais razoável será não perguntar onde, mas como: "Como é que o cérebro trabalha a experiência pela qual ele ouve a orquestra no seu cérebro?"
Meu objetivo é tentar acabar com um sério equívoco a respeito das emoções. A maioria das pessoas, inclusive muitos cientistas, acredita que as emoções são entidades distintas, que se encontram em algum lugar dentro de nós - entretanto, não é nada disso. Buscar emoções desta maneira é tão equivocado quanto buscar clarinetes e oboés cerebrais.
Evidentemente, sentimos raiva, felicidade, surpresa e outras emoções como estados claros e identificáveis. O que implica aparentemente que cada emoção é uma propriedade subjacente ou uma "essência" no cérebro ou no corpo. Talvez um colega irritante desencadeie seus "neurônios da raiva", então sua pressão arterial sobe; você fecha a cara, berra e está no ápice da fúria. Ou a perda de um ente querido desencadeia os seus "neurônios da tristeza", de maneira que seu estômago começa a doer; você contrai os músculos faciais, se desespera, e chora. Ou uma notícia alarmante provoca seus "neurônios do medo", e o seu coração dispara; você gela e sente uma fisgada de pavor.
Estas características são consideradas as únicas "impressões digitais" biológicas, por assim dizer, de cada emoção. Cientistas e empresas de tecnologia gastam enormes quantidades de tempo e dinheiro tentando localizar estas impressões digitais, na esperança de identificar um dia suas emoções pelos movimentos dos seus músculos faciais, pelas mudanças do seu corpo e pelos sinais elétricos do seu cérebro. Alguns estudos científicos aparentemente respaldam a existência destas impressões. Contudo, há muitos outros estudos que discordam quanto ao que estas impressões sejam, e inúmeros outros indicam que não existe qualquer impressão digital.
Comecemos pela neurociência. O Laboratório Interdisciplinar de Ciências Afetivas (que eu dirijo) analisou coletivamente estudos de imagens do cérebro publicados de 1990 a 2011 que examinaram medo, tristeza, raiva, nojo e felicidade. Dividimos o cérebro humano praticamente em minúsculos cubos, como pixels em 3-D, e calculamos a probabilidade de que os estudos de cada emoção encontrassem um aumento da ativação em cada cubo.
Mas o que descobrimos foi principalmente que nenhuma região do cérebro estava relacionada a uma única emoção. Também descobrimos que cada suposta região do cérebro correspondente a "emoções" aumentava sua atividade durante pensamentos não emocionais e também percepções.
A região mais conhecida do cérebro onde se encontrariam as "emoções" é a das amídalas, um grupo de núcleos localizados no fundo dos lobos temporais. Desde 2009, foram publicados pelo menos 30 artigos da imprensa popular que afirmavam que o medo é causado por neurônios que disparam nas amídalas.
Entretanto, somente 25% dos experimentos que analisamos mostraram um aumento da atividade das amídalas durante a experiência do medo. Na realidade, sabemos há muito tempo que certos comportamentos provocados pelo "medo", como a fuga, não têm nada a ver com as amídalas.
Outra evidência contrária à relação amídalas-medo é a encontrada num par de gêmeos idênticos, conhecidos na literatura cientifica como BG e AM, que sofrem de uma doença genética que apaga as amídalas. BG tem dificuldade de sentir medo em quase todas as situações mais extremas, mas AM tem uma vida emocional normal.
Regiões do cérebro como as amídalas são evidentemente importantes para a emoção, mas não são necessárias nem são suficientes para ela. Em geral, o cérebro não é uma máquina compartimentada para cada função psicológica distinta. Ao contrário, uma única área cerebral como as amídalas participa de muitos eventos mentais diferentes, e muitas áreas cerebrais diferentes são capazes de produzir o mesmo resultado. No laboratório, descobrimos que emoções como medo e raiva, são trabalhadas conjuntamente pelas redes cerebrais multiuso.
Se as emoções não são entidades neurais distintas, terão elas um padrão corporal - frequência cardíaca, respiração, transpiração, temperatura e assim por diante?
A resposta é não. Analisamos mais de 200 estudos publicados, que cobrem cerca de 22 mil sujeitos de testes, e não encontramos no nosso corpo impressões digitais consistentes e específicas para qualquer emoção. Ao contrário, o corpo age de diversas maneiras relacionadas à situação. Até um rato diante de uma ameaça (como o cheiro de gato) foge, congela ou luta, dependendo do contexto em que se encontra.
O mesmo ocorre com o rosto humano. Muitos cientistas supõem que o rosto transmite de maneira clara e fiel uma emoção (cara irada, rosto fechado de tristeza, olhos esbugalhados de medo, nariz franzido quando sentimos nojo). Mas uma série cada vez maior de evidências sugere que não é isto que acontece.
Quando aplicamos eletrodos sobre o rosto de uma pessoa e medimos os movimentos dos músculos durante a raiva, por exemplo, constatamos que ela faz uma ampla variedade de movimentos, não apenas a cara irada estereotipada.
Charles Darwin acabou com a ideia das essências em biologia. Ele observou que uma espécie não é um tipo único de ser com um conjunto fixo de atributos, mas uma população de indivíduos extremamente variados, cada um dos quais está mais ou menos adaptado ao seu ambiente.
Analogamente, cada uma das palavras que descrevem emoções como "raiva", "felicidade" e "medo" nomeia uma série de estados biológicos diferentes que variam dependendo do contexto. Quando estamos zangados com os nossos colegas, às vezes nossa frequência cardíaca acelera, outras vezes diminui e outras ainda permanece inalterada. Podemos fazer cara feia ou sorrir enquanto maquinamos nossa vingança. Podemos gritar ou ficar em silêncio. A regra é a variação.
Esta percepção não é apenas acadêmica. Quando pesquisadores da área de medicina perguntam: "Qual é a relação entre raiva e câncer?" como se houvesse uma única coisa chamada "raiva" no corpo, eles cometem este erro. Quando os seguranças do aeroporto são treinados na suposição de que os movimentos faciais e corporais são indicadores confiáveis de sentimentos profundos, os contribuintes podem ter a certeza de que seu dinheiro está sendo desperdiçado.
A facilidade com que experimentamos emoções, e a facilidade com a qual vemos as emoções nos outros, não significa que cada emoção tem um esquema distinto no rosto, corpo ou cérebro. Em vez de perguntar onde estão as emoções ou quais são os padrões corporais que as definem, deveríamos abandonar este essencialismo e fazer a pergunta mais reveladora: "Como é que o cérebro trabalha estas incríveis experiências?"
Lisa Feldman Barrett é professora de Psicologia da Northeastern University e autora do livro a ser lançado em breve ‘How Emotions Are Made: The New Science of the Mind and Brain’
Tradução de Anna Capovilla
Fonte: Vida e Estilo